“Um dia você descobrirá que a maior e melhor bênção na Terra é poder se conectar com pessoas dotadas de grande humanidade que, através de sua arte, também possuem uma alma pura e nobre. E tudo o que você pode absorver dessa grandeza e beleza de caráter irá determinar o seu valor como pessoa. […] Devemos nos educar de dentro para fora, para podermos aproveitar a grandeza dos outros.”
Como professora Suzuki, acreditava firmemente que “desistir não faz parte do caminho”, talvez representasse a tarefa mais difícil da Filosofia Suzuki. No entanto, ao longo dos quase 25 anos de minha carreira, cheguei à conclusão de que a tarefa mais complexa é, na verdade, a de “dizer adeus”.
Permito-me compartilhar aqui uma experiência recente e pessoal, já que esta história pertence apenas a mim e não aos meus colegas do Centro Suzuki.
Quando embarcamos na jornada de educar uma criança musicalmente através do Método Suzuki, professores e pais precisam estar cientes de que se trata de uma jornada de longo prazo. Aqueles que persistem nesse caminho por um período longo, colhem os verdadeiros benefícios que a linguagem musical tem a oferecer.
Essa jornada de 10 anos, como acreditava Dr. Suzuki, pode começar e terminar com o mesmo professor ou se estender com outros professores Suzuki, outras escolas, cidades e até países, por diversas razões. Contudo, independentemente do tempo envolvido, despedir-se é sempre uma tarefa desafiadora.
Quando a despedida se torna difícil, isso revela que encontramos um tesouro, algo tão significativo e valioso que a ideia de se despedir ou imaginar a vida sem isso se torna quase inaceitável. Muitos dos meus alunos expressam: “Não consigo imaginar minha vida sem o instrumento… sem música… sem a sua orientação, professora.” Isso porque eles começaram sua jornada aos 3, 4 ou 5 anos de idade.
Ao longo dos anos trabalhando com as famílias do Centro Suzuki, observei diferentes abordagens para lidar com a despedida. Alguns lutam contra ela, buscando justificativas externas para fazê-la. Outros a enfrentam buscando orientação e procurando formas mais leves de dizer adeus. Há aqueles que enfrentam a despedida, não porque seja fácil, mas porque desejam deixar a porta aberta para um possível retorno. E alguns preferem completar todas as fases e ciclos, a fim de celebrar a despedida como um fechamento natural.
A Filosofia Suzuki implica em cultivar relações profundas e duradouras com as famílias. Algumas permitirão, enquanto outras não. Algumas valorizarão, outras não darão a devida importância. Para o Dr. Suzuki, as relações humanas eram fundamentais, pois nos ajudam a evoluir na busca pelo Amor, Verdade, Virtude e Beleza. Quando consideramos que a música é tanto uma linguagem quanto uma atividade social, a complexidade se acentua. Estamos lidando com seres humanos. Cada aluno é um ambiente muito diferente de trabalho para nós, professores Suzuki, e cada família constitui um desafio profissional.
Durante a pandemia de Covid-19, notei uma mudança significativa (infelizmente, para pior) na qualidade das relações com as famílias com as quais já trabalhava. Isso culminou em situações desafiadoras e, por vezes, tristes para todos os envolvidos. No final de 2021, recebi uma nova família no Centro Suzuki, que estava temporariamente se mudando para o Brasil. Ao perguntar à mãe sobre sua disponibilidade de horários para aulas, ela respondeu: “Você decide, Renata. A música é uma prioridade para nossa família.”
Na época, essa resposta me animou e até compartilhei com outros professores. “Temos que ter essa família conosco.” Afinal, nós, professores Suzuki, compreendemos que aquilo que desejamos transmitir aos nossos alunos deve existir no ambiente. Da mesma forma, o que preferimos não ensinar não deve encontrar espaço em nosso trabalho.
Voltando à história dos meus alunos, naquela ocasião, eu ainda não havia associado minha decepção com as famílias e suas atitudes à positiva abordagem da nova família. Não tinha conectado essas duas situações até o último sábado, quando essa mesma família, que chegou no início de 2022, precisou se despedir devido ao seu retorno ao país de origem.
Nós, professores Suzuki, sempre conduzimos com zelo as despedidas, as conclusões de fases e períodos, e os cursos. Afinal, os relacionamentos que construímos com os alunos são fundamentais para o sucesso do nosso trabalho. No sábado passado, essa família também demonstrou a importância desse relacionamento. Comemoramos juntos, relembrando a chegada, a história do telefonema (sobre a prioridade dada à música), as sessões musicais, os eventos em que participaram, as impressões compartilhadas e o carinho e saudade que permanecerão conosco.
Durante este ano, ouvi essa mãe mencionar alguns amigos dizendo: “Quero que eles conheçam nossa escola.” A palavra “nossa” chamou minha atenção. Fiquei emocionada. Enfim… tudo isso para enfatizar algo óbvio: as pessoas são diferentes. Como o Dr. Suzuki afirmava, cada indivíduo tem seu próprio tempo para aprender, compreender e praticar. Lidamos com muitas famílias e, assim, é inevitável ver uma ampla gama de tempos e níveis de excelência.
Lidar profundamente com pessoas, nos proporciona a oportunidade de observar essas diferenças e aprender com elas. Pois, só assim, é possível testemunhar a beleza da humanidade. Nessa despedida recente, presenciei que saber dizer adeus é crucial, e as crianças quando envolvidas aprendem que: dizer adeus com sabedoria, pode se transformar em um “até logo” ou “até breve”. Pois, o cuidado e a atenção que investimos em nossas relações nos ensinam que não devemos desistir por causa das dificuldades e, que manter a capacidade de sonhar, nos permite vislumbrar essa beleza e incorporá-la em nossas vidas, de modo que todos possam, um dia, experimentar a grandeza das verdadeiras relações.
texto de Renata Pereira – São Paulo – agosto • 2023